Palavras ditas ...

Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor... Acho que a poesia está contida nisso tudo."
Carlos Drumond de Andrade

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Dos meus lábios…

Copiado DAQUI
Dos meus lábios

ao teu beijo,

vai um sorrir,



Do teu corpo

ao meu desejo,

uma carícia,

Da minha paixão

ao teu furor,

vai um olhar,



Um roçar que seja,
embebido de malícia,

chega para nos transbordar,



Chega para nos verter

na profunda delícia,

de sentir.



Do primeiro momento

à hora de te deixar,

vai um instante,



Fica-nos o passo

a ensaiar partidas,

curto e relutante, na despedida,



Do meu querer ao teu gostar,

vai um carinho, grande e sereno,
…sempre a partir,



Viaja entre nós,

calma,…a certeza,



de um amor feliz.


Teresa Cunha

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Poema dos Olhos da Amada


Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe dos breus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas era
Nos olhos teus.
Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

Vinícius de Moraes

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Soneto

No meio do caminho sem sentido
Em que minha retina se cansava,
Em face ao meu espírito perdido
Naquela lassidão estranha e escrava,

No meio do caminho sem sentido,
Só uma pedra... Nada mais se achava!
Que tudo se perdeu no amortecido,
Morto marasmo de vulcão sem lava...














Que tudo se perdeu na estrada infinda...
Só a pedra ficou sob meu passo
E na retina se conserva ainda!

Nem coração, furor, ódio, carinho,
Nada restou senão este cansaço,
A pedra, a pedra, pedra no caminho

João Alphonsus

Retirado do blogue Nothingandall

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Um abraço a Moçambique

Hoje, dia em que se comemora a Independência de Moçambique, aqui fica o meu abraço aquele País e um excerto do livro "M.&U. Companhia ilimitada" de Isabella Oliveira (Chuinga na blogosfera e IO nos grupos da net) que me orgulho de ter como amiga, que (d)escreveu assim as emoções vividas há 37 anos.


"............................................................................................................................................. 
Passou a meia-noite e continuávamos por nascer. Até que, uma eternidade depois, um carro, ladeado por motas e sempre iluminado por focos de luzes, passou o túnel e entrou na pista, que percorreu a baixa velocidade, sob o incansável e delirante aplauso geral. Quando parou e a porta de trás se abriu, percebi então o que é que deverá sentir um crente, caso alguma vez lhe venha a ser dada a oportunidade de ver, finalmente, o seu Deus. Não há outras palavras para descrever o meu encontro com o sorriso e o brilho de felicidade no olhar humano com que o Presidente saiu do carro e deu os primeiros passos. O herói maior da parede do meu quarto estava ali e eu estava a vê-lo! Ainda bem que naquele momento estava sozinha, no meio das escadas que dividiam as três ou quatro filas de bancadas por que era responsável, assim ninguém me distraiu. 
Instalado o Presidente, entrou no estádio, a correr, o último homem. Também ele atravessou a pista, mas para subir ao extremo oposto do túnel, erguendo na mão o facho aceso da Liberdade que, um mês antes, entrara com o Presidente em Moçambique. Quando o ateou na pia do estádio, foi mais uma vez o delírio geral. Agora, sim, do Rovuma ao Maputo, podia ser declarada a independência! 
  
Se a chegada do Presidente foi, para mim, uma sensação difícil de ser ultrapassada, o momento seguinte rebentou o estádio: era o sonho a concretizar-se! 
Lado a lado, fardados, entraram no relvado duas filas de homens de exércitos diferentes. Por Portugal, um representante de cada um dos três ramos das forças armadas e, por Moçambique, três guerrilheiros da FRELIMO. O da frente vai actuar num palco muito diferente daquele em que, há quase doze anos atrás, deu o primeiro tiro que, no Chai, iniciou a guerra de libertação. Ninguém mais do Alberto Chipende merece estar ali. Começa então a descer a bandeira portuguesa e o povo grita «BAIXA!, BAIXA!». Quando o estandarte das quinas chega à base do mastro, principia a sua ascensão, como que envolta numa auréola de luz (talvez devido ao efeito da chuva, a cor amarela sobressaía), a bandeira da minha Utopia. Tive então a sorte de cair em mim, ainda que apenas por poucos segundos, para poder observar o espectáculo único de todo aquele êxtase e, também por mero acaso, fixar as duas lágrimas que escorriam do tatuado rosto maconde de Sebastião Mabote, o mais guerrilheiro dos elementos do Comité Central. Depois, voltei a mergulhar na nossa festa, como era bonita a bandeira de Moçambique! 
  
Alinhada no centro do relvado, a banda fez então soar o hino nacional, por todos cantado a plenos pulmões: 
  
Viva, viva, a FRELIMO 
Guia do povo moçambicano 
Povo heróico que arma em punho 
O colonialismo derrubou 
  
Todo o povo unido 
Desde o Rovuma ao Maputo 
Luta contra o imperialismo 
Continua e sempre vencerá 
  
Coro: 
Viva Moçambique, 
Viva a bandeira, símbolo nacional, 
Viva Moçambique, 
Que por ti o povo lutará! 
  
Unido ao mundo inteiro 
Lutando contra a burguesia 
Nossa pátria será túmulo 
Do capitalismo e da exploração 
  
O povo moçambicano 
De operários e de camponeses 
Engajado no trabalho 
A riqueza sempre brotará 
  
Na tribuna, sucederam-se os aplausos. Depois o Presidente avançou para o microfone, cabia-lhe agora proclamar a Independência, mas, por causa da chuva, a electricidade falha e não há som. Quando reaparece, o Presidente pergunta ao povo, «Estão-me a ouvir?», é arranjo de poucos segundos. Nova tentativa e o Presidente incita o estádio a acompanhá-lo numa canção revolucionária. Desta vez, o povo responde. Samora Machel repete as palavras com que, a 25 de Setembro de 1964, Eduardo Mondlane declara o início da guerra de libertação e, a seguir, ouviram-se as palavras mágicas: Moçambicanos, moçambicanas, em vosso nome, às zero horas de hoje, 25 de junho de 1975, o Comité Central da FRELIMO proclama solenemente a Independência total e completa de Moçambique e a sua constituição em República Popular de Moçambique!
............................................................................................................................................."

Isabella Oliveira




sábado, 23 de junho de 2012

Primeiro a tua mão sobre o meu seio





Primeiro a tua mão sobre o meu seio.
Depois o pé - o meu - sobre o teu pé.
Logo o roçar urgente do joelho
e o ventre mais à frente na maré.


É a onda do ombro que se instala.
É a linha do dorso que se inscreve.
A mão agora impõe, já não embala
mas o beijo é carícia, de tão leve.



O corpo roda: quer mais pele, mais quente.
A boca exige: quer mais sal, mais morno.
Já não há gesto que se não invente,
ímpeto que não ache um abandono.

Então já a maré subiu de vez.
É todo o mar que inunda a nossa cama.
Afogados de amor e de nudez
Somos a maré alta de quem ama

Por fim o sono calmo, que não é
Senão ternura, intimidade, enleio:
O meu pé descansando no teu pé,
A tua mão dormindo no meu seio

Rosa Lobato Faria

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Amigo


Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».

«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!

«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

«Amigo» é a solidão derrotada!

«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!

Alexandre O'Neill

Para a minha querida amiga Ginja, no dia do seu aniversário,  com um beijo.




Happy Birthday Guadalupe

Tem um dia muito feliz minha querida amiga




quinta-feira, 21 de junho de 2012

Oda al dia feliz


Fotografia retirada daqui

Esta vez dejadme 
ser feliz, 
nada ha pasado a nadie, 
no estoy en parte alguna, 
sucede solamente 
que soy feliz 
por los cuatro costados 
del corazón, andando, 
durmiendo o escribiendo. 
Qué voy a hacerle, soy 
feliz.
Soy más innumerable
que el pasto
en las praderas, 
siento la piel como un árbol rugoso
y el agua abajo, 
los pájaros arriba, 
el mar como un anillo 
en mi cintura,
hecha de pan y piedra la tierra 
el aire canta como una guitarra.

Tú a mi lado en la arena 
eres arena, 
tú cantas y eres canto, 
el mundo
es hoy mi alma,
canto y arena, 
el mundo
es hoy tu boca, 
dejadme 
en tu boca y en la arena 
ser feliz, 
ser feliz porque si, porque respiro 
y porque tú respiras, 
ser feliz porque toco
tu rodilla 
y es como si tocara 
la piel azul del cielo 
y su frescura.

Hoy dejadme
a mí solo 
ser feliz, 
con todos o sin todos, 
ser feliz
con el pasto 
y la arena, 
ser feliz 
con el aire y la tierra, 
ser feliz, 
contigo, con tu boca, 
ser feliz.

Pablo Neruda

sábado, 16 de junho de 2012

Joelho

Egon Schiele
Ponho um beijo
demorado
no topo do teu joelho

Desço-te a perna
arrastando
a saliva pelo meio

Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo

Não há nada
que disfarce
de ti aquilo que vejo

Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo

E os lençois desalinhados
como se fosse de
vento

Volto então ao teu
joelho
entreabrindo-te as pernas

Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas

Maria Teresa Horta

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Lua Adversa



Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

Cecília Meireles

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Al Berto

15º aniversário da morte de Al Berto, pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares, poeta e pintor



Dizem que a paixão o conheceu


dizem que a paixão o conheceu 
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros 
senta-se no estremecer da noite enumera 
o que lhe sobejou do adolescente rosto 
turvo pela ligeira náusea da velhice 

conhece a solidão de quem permanece acordado 
quase sempre estendido ao lado do sono 
pressente o suave esvoaçar da idade 
ergue-se para o espelho 
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo 

dizem que vive na transparência do sonho 
à beira-mar envelheceu vagarosamente 
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria 
nunhum ofício cantante 
o tenha convencido a permanecer entre os vivos

Al Berto



terça-feira, 12 de junho de 2012

Coisa Amar

Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.
                                                                                                                                                               
Praia das Maças - José Malhoa
                                                             


Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doi

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

Manuel Alegre                    


segunda-feira, 11 de junho de 2012

Lourenço Marques Revisited

A água que murmura espectros lentos
O que houve e não houve e não volta nunca mais
Os quartos sem esperança que os guardasse
As casas sem anjo da guarda












A luz intensa bela e dolorosa
A adolescência dilacerada
A ternura dezoito anos recusada
Na casa dos Átridas
O crime horroroso que não houve
Mas as feridas abriram manaram um sangue
Que penetra implacável as fendas do sono
E me deixa acordado à beira da estrada
Com lágrimas que percorrem
Trinta e quatro anos

Alberto de Lacerda

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O teu riso






Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda

Em destaque

orgasmo

fui ver o mar fez-se a mim fiz-me a ele as ondas desta vez tombaram de pé e espumaram de gozo  Bénèdicte Houart (no dia internacional do org...