Palavras ditas ...

Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor... Acho que a poesia está contida nisso tudo."
Carlos Drumond de Andrade

quinta-feira, 20 de março de 2014

Poema


Alice Vieira nasceu em Lisboa no ano de 1943. Hoje comemora 71 anos.
É jornalista e escritora, considerada uma das mais importantes na área da literatura infanto-juvenil, sendo que não é apenas autora deste género de prosa.




Envelhecemos com as palavras ou elas
connosco
digo amor e já não corro precipitadamente
pela escadaria de pedra com enormes
anjos de facas sobre as nossas cabeças
que me levava a ti nas manhãs em que o desejo
(a que evidentemente dávamos
outro nome mais brando ) 
e nos rebentava o corpo como o pólen
das árvores na primavera

e ainda não sabíamos sequer
que transportávamos em nós
a doença incurável das noites que não iriam ser as que esperávamos

já não sigo no teu corpo os sulcos
largados pelos meus dedos na hora apressada do regresso a casa
nem abafo na amurada de todas as partidas
o gesto com que não soube prender a tua fuga

digo amor e estão muito longe
as maneiras subtis de te levar escondido
entre cadernos e camélias e dilacerados sorrisos 
de fim de festa 

pior do que isso:

nem sequer preciso de dizer amor
para que ele se desfaça nos terrenos baldios
do meu sangue onde os teus passos
durante tantos anos
o procuraram

-- e ilumine as horas em que o eco da tua voz
traz consigo as espadas que os anjos de pedra
então nos apontavam"

Alice Vieira

domingo, 16 de março de 2014

O Livro dos Amantes




Natália de Oliveira Correia morreu em Lisboa há 21 anos


I
Glorifiquei-te no eterno. 
Eterno dentro de mim 
fora de mim perecível. 
Para que desses um sentido 
a uma sede indefinível. 

Para que desses um nome 
à exactidão do instante 
do fruto que cai na terra 
sempre perpendicular 
à humidade onde fica. 

E o que acontece durante 
na rapidez da descida 
é a explicação da vida. 

II 

Harmonioso vulto que em mim se dilui. 
Tu és o poema 
e és a origem donde ele flui. 
Intuito de ter. Intuito de amor 
não compreendido. 
Fica assim amor. Fica assim intuito. 
Prometido. 

III 

Príncipe secreto da aventura 
em meus olhos um dia começada e finita. 
Onda de amargura numa água tranquila. 
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta. 
Pássaro esquivo em meus ombros de aragem 
reacendendo em cadência e em passagem 
a lua que trazia e que apagou. 

IV 

Dá-me a tua mão por cima das horas. 
Quero-te conciso. 
Adão depois do paraíso 
errando mais nítido à distância 
onde te exalto porque te demoras. 


Toma o meu corpo transparente 
no que ultrapassa tua exigência taciturna 
Dou-me arrepiando em tua face 
uma aragem nocturna. 

Vem contemplar nos meus olhos de vidente 
a morte que procuras 
nos braços que te possuem para além de ter-te. 

Toma-me nesta pureza com ângulos de tragédia. 
Fica naquele gosto a sangue 
que tem por vezes a boca da inocência. 

VI 

Aumentámos a vida com palavras 
água a correr num fundo tão vazio. 
As vidas são histórias aumentadas. 
Há que ser rio. 

Passámos tanta vez naquela estrada 
talvez a curva onde se ilude o mundo. 
O amor é ser-se dono e não ter nada. 
Mas pede tudo. 

VII 

Tu pedes-me a noção de ser concreta 
num sorriso num gesto no que abstrai 
a minha exactidão em estar repleta 
do que mais fica quando de mim vai. 

Tu pedes-me uma parcela de certeza 
um desmentido do meu ser virtual 
livre no resultado de pureza 
da soma do meu bem e do meu mal. 

Deixa-me assim ficar. E tu comigo 
sem tempo na viagem de entender 
o que persigo quando te persigo. 

Deixa-me assim ficar no que consente 
a minha alma no gosto de reter-te 
essencial. Onde quer que te invente. 

VIII 

Eis-me sem explicações 
crucificada em amor: 
a boca o fruto e o sabor. 

IX 

Pusemos tanto azul nessa distância 
ancorada em incerta claridade 
e ficamos nas paredes do vento 
a escorrer para tudo o que ele invade. 

Pusemos tantas flores nas horas breves 
que secam folhas nas árvores dos dedos. 
E ficámos cingidos nas estátuas 
a morder-nos na carne dum segredo. 

Natália Correia, in "Poemas" 1955

quarta-feira, 12 de março de 2014

Ya eres mía ... Soneto LXXXI


Ya eres mía. Reposa con tu sueño en mi sueño.
Amor, dolor, trabajos, deben dormir ahora.
Gira la noche sobre sus invisibles ruedas
Y junto a mí eres pura como el ámbar dormido.

Ninguna más, amor, dormirá con mis sueños.
Irás, iremos juntos por las aguas del tiempo.
Ninguna viajará por la sombra conmigo,
Sólo tú, siempreviva, siempre sol, siempre luna.

Ya tus manos abrieron los puños delicados
Y dejaron caer suaves signos sin rumbo,
Tus ojos se cerraron como dos alas grises,

Mientras yo sigo el agua que llevas y me lleva:
La noche, el mundo, el viento devanan su destino,
Y ya no soy sin ti sino sólo tu sueño.

Pablo Neruda

Imagem de origem desconhecida

terça-feira, 11 de março de 2014

Alheamento


Meu corpo estiraçado, lânguido, ao logo do leito. 

O cigarro vago azulando os meus dedos. 

O rádio... a música... 

A tua presença que esvoaça 
em torno do cigarro, do ar, da música... 

Ausência!, minha doce fuga! 

Estranha coisa esta, a poesia, 
que vai entornando mágoa nas horas 
como um orvalho de lágrimas, escorrendo dos vidros 
duma janela, 

numa tarde vaga, vaga... 

Fernando Namora

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