Palavras ditas ...

Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor... Acho que a poesia está contida nisso tudo."
Carlos Drumond de Andrade
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sexta-feira, 15 de abril de 2016

As nossas madrugadas




Desperta-me de noite
o teu desejo
na vaga dos teus dedos
com que vergas
o sono em que me deito

pois suspeitas

que com ele me visto e me
defendo

É raiva
então ciume
a tua boca

é dor e não
queixume
a tua espada

é rede a tua língua
em sua teia

é vício as palavras
com que falas

E tomas-me de foça
não o sendo
e deixo que o meu ventre
se trespasse

E queres-me de amor
e dás-me o tempo

a trégua
a entrega
e o disfarce

E lembras os meus ombros
docemente
na dobra do lenços que desfazes
na pressa de teres o que só sentes
e possuires de mim o que não sabes

Despertas-me de noite
com o teu corpo

tiras-me do sono
onde resvalo

e eu pouco a pouco
vou repelindo a noite

e tu dentro de mim
vais descobrindo vales.



Maria Teresa Horta - Cem poemas (antologia pessoal): 22 inéditos

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Arrebatada




Eu não quero a ternura
quero o fogo
a chama da loucura desatada

quero a febre dos sentidos
e o desejo
o tumulto da paixão arrebatada

Eu não quero só o olhar
quero o corpo
abismo de navalha que nos mata

quero o cume da avidez
e do delírio
sequiosa faminta apaixonada

Eu não quero o deleite
do amor
quero tudo o que é voraz

Eu quero a lava

Maria Teresa Horta

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Anjos Mulheres



As mulheres voam 
como os anjos: 
Com as suas asas feitas 
de cristal de rocha da memória 

Disponíveis 
para voar 

soltas... 

Primeiro 
lentamente: uma por uma 

Depois, 
iguais aos passaros 

fundas... 

Nadando, 
juntas 

Secreta: a rasar o 
chão 

a rasar a fenda 
da lua 

no menstruo: 
por entre a fenda das pernas 

Às vezes é o aço 
que se prende 
na luz 

A dobrarmos o espaço? 

Bruxas: 
pomos asas em vassouras 
de vento 

E voamos 

Como as asas 
lhe cresciam nas coxas 

diziam dela: 
que era um anjo do mar 

Rondo alto, 
postas em nudez de ombros 
e pernas 

perseguindo, 

pelos espaços, 
lunares 
da menstruação 

e corpo desavindo 

Não somos violencia 
mas o voo 

quando nadamos 
de costas pelo vento 

até à foz do tempo 
no oceano denso 
da nossa própria voz 

Sabemos distinguir 
a dormir 
os anjos das rosas voadoras 

pelo tacto? 

Somos os anjos 
do destino 

com a alma 
pelo avesso 
do útero 

Voamos a lua 
menstruadas 

Os homens gritam: 
– são as bruxas 

As mulheres pensam: 
– são os anjos 

As crianças dizem: 
– são as fadas 

Fadas? 

filigrama cintilante 
de asas volteando 
no fundo da vagina 

Nadamos? 

De costas, 
no espaço deste século 

Mudar o rumo 
e as pernas mais ao 
fundo 

portas por trás 
dobradas pelos rins 

Abrindo o ar 
com o corpo num só golpe 

Soltas, 
viando 
até chegar ao fim 

Dizem-nos: 
que nos limitemos ao espaço 

Mas nós voamos 
também 
debaixo de água 

Nós somos os anjos 
deste tempo 

Astronautas, 
voando na memória 
nas galáxias do vento... 

Temos um pacto 
com aquilo que 
voa 

– as aves 
da poesia 

– os anjos 
do sexo 

– o orgasmo 
dos sonhos 

Não há nada 
que a nossa voz não abra 

Nós somos as bruxas da palavra 

Maria Teresa Horta



Maria Teresa Horta, distinguida com o Prémio D. Dinis pelo romance “As Luzes de Leonor”, disse hoje  que não aceita receber o prémio das mãos de Pedro Passos Coelho

“Na realidade eu não poderia, com coerência, ficar bem comigo mesma, receber um prémio literário que me honra tanto, cujo júri é formado por poetas, os meus pares mais próximos - pois sou sobretudo uma poetisa, e que me honra imenso -, ir receber esse prémio das mãos de uma pessoa que está empenhada em destruir o nosso país”, explicou Maria Teresa Horta à Lusa.

“Sempre fui uma mulher coerente; as minhas ideias e aquilo que eu faço têm uma coerência”, salientou a escritora que acrescentou: “Sou uma mulher de esquerda, sempre fui, sempre lutei pela liberdade e pelos direitos dos trabalhadores”.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Invocação ao amor

Egon Schiele
Pedir-te a sensação
a água
o travo

aquele odor antigo
de uma parede
branca

Pedir-te da vertigem
a certeza
que tens nos olhos quando
me desejas

Pedir-te
sobre a mão
a boca inchada
um rasto de saliva
na garganta

pedir-te que me dispas
e me deites
de borco e os meus seios
na tua cara

Pedir-te que me olhes e me aceites
me percorras
me invadas
me pressintas

Pedir-te que me peças
que te queira
no separar das horas
sobre a língua

Meu ciúme
meu perfil
minha fome

meu sossego
minha paz
minha aventura

Meu sabor
minha avidez
saciedade

minha noite
minha angústia
meu costume

Maria Teresa Horta

sábado, 14 de julho de 2012

Morrer de amor

Gustav Klimt
150º aniversário do nascimento
Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso

Maria Teresa Horta



sábado, 16 de junho de 2012

Joelho

Egon Schiele
Ponho um beijo
demorado
no topo do teu joelho

Desço-te a perna
arrastando
a saliva pelo meio

Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo

Não há nada
que disfarce
de ti aquilo que vejo

Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo

E os lençois desalinhados
como se fosse de
vento

Volto então ao teu
joelho
entreabrindo-te as pernas

Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas

Maria Teresa Horta

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Poema sobre a recusa

                    Pintura de Paula Rego da série "Mulher-cão"

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus
dedos

se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor

nem o interior da erva.
Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de

ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda

Maria Teresa Horta

sábado, 28 de janeiro de 2012

Cortina

Peço-te que feches
a cortina
e à sua sombra já estremeço nua

Vens-me cobrir o frio
com o teu calor
e à nossa roda já tudo flutua

Maria Teresa Horta

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Segredo

Retirado daqui

Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche
o anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar

Maria Teresa Horta

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Poema sobre a recusa

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.

Maria Tereza Horta (1937)

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