Palavras ditas ...

Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor... Acho que a poesia está contida nisso tudo."
Carlos Drumond de Andrade

sexta-feira, 30 de outubro de 2015




havemos de ser outros amanhã
ou daqui a momentos ou já agora
e dificilmente reconheceremos o espaço da alegria
em que noutras horas chegámos a nascer





  
e então meu amor
(não sei se reparaste mas é a primeira vez
que escrevo meu amor)
teremos nos olhos a cor sem cor
das roupas muito usadas
e guardaremos os despojos das noites
em que tudo sem querer nos magoava
nas gavetas daqueles velhos armários
com cheiro a cânfora e a tempo inútil
onde há muitos anos esquecemos
um postal da Torre de Belém em tons de azul
e um bilhete para a matiné das seis no S.Jorge
onde um homem (que muitos anos depois
segundo me contaram se suicidou)
tocava órgão nos intervalos em que
nos beijávamos às escondidas
e dessa gavetas rebenta a poeira do tempo
que matámos a frio dentro de nós
com os filhos que perdemos em camas de ninguém
e as pedras que nasceram no lugar das cinzas
e havemos de perguntar (mesmo sabendo
que já não há ninguém para nos responder)
por que foi que nos largaram no mundo
vestidos de tão frágeis certezas
porque nos abandonaram assim
no rebentar de todas as tempestades
sabendo que o futuro que nos prometiam batia
ao ritmo das horas que já tinham sido
destinadas a outros e nunca
voltariam a tempo de nos salvar

mas enquanto vai escorrendo dos nossos dedos o pó
desses lugares onde ainda há vozes
que não desistiram de perguntar por nós
vamos bebendo a água inicial das nossas línguas
um ao outro devolvendo o pouco
que conseguimos salvar de todos os dilúvios

Alice Vieira
in "Dois Corpos Tombando na Água"

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Navegando nas Emoções


Vladimir Kush


Ao brilho
do luar
Abrem-se as campânulas de silêncio
E o grito de alegria
Confunde-se com a magia das vagas quentes.

De súbito, o mar irrompe pelos sonhos
Transportando o olhar encantado
Da sereia bronzeada pela imensidão da noite.

Faz-se luz na enseada da vida
Os cânticos românticos
Vagueiam pelos recantos das grutas
Acordando aromas enfeitiçados
Acendem-se fogueiras de mitos
Aquecendo corações perdidos nas falésias do amor
E dança-se à volta da fronteira do desejo.

As estrelas iluminam a sensualidade dos actos
Inspira-se a pureza do universo
E na suavidade da corrente
Viajamos dentro da inocência dos sentidos
Reconstruindo sonhos antigos.

Jorge Viegas

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Poema simples

Amo-te!
Este é o poema mais simples que posso dizer
E o mais difícil de conseguir explicar.

Cala-te!
Não o estragues com mais palavras.
Beija-me e. (ponto)

Fernando Semana



Retirado  DAQUI









segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O DOS CASTELOS


A Europa jaz, posta nos cotovelos: 
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal, 
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

in "Mensagem" de  Fernando Pessoa
(8-12-1928)

Desenho de Lima de Freitas copiado aqui

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