Palavras ditas ...

Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor... Acho que a poesia está contida nisso tudo."
Carlos Drumond de Andrade

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Centenário do nascimento do poeta Joaquim Namorado - Sonambulismo


Professor e poeta, Joaquim Namorado foi um dos iniciadores e teóricos do movimento neo-realista em Portugal.  Nasceu em Alter do Chão, a 30 de Junho de 1914.

Foi militante do Partido Comunista Português desde os anos 30 do século passado e apesar da sua licenciatura em Ciências Matemáticas pela Universidade de Coimbra só após o 25 de Abril de 1974, ingressou no quadro de professores da secção de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia daquela mesma universidade.


Tombam os dias inúteis: 
amanhece, é tarde, anoitece. 
Mas a nós que nos importa 
ser manhã, meio dia ou noite?!... 
Sonâmbula a vida decorre 
- nas ruas, a paz larvar dos grandes cemitérios; 
dentro de nós, cada um 
apodrece. 
Enchem-se de títulos vibrantes os jornais 
- mas tudo é tão longe... 
Passam homens por homens e não se conhecem: 
Boa tarde! Bom dia! 
Cada um fechado nas suas fronteiras, 
os gestos vazios, 
a vida sem sentido 
- sonambulismo apenas. 

Acorda! 
Ainda que seja só para o sobressalto, 
que as ilusões do sonho se desfaçam 
e as esperanças morram todas nessa hora! 

Acorda! 
ainda que o caminho a percorrer te espante 
e o peso da obra a realizar te esmague! 

Ainda que acordar seja 
morrer depois aos poucos, em cada momento, 
dolorosamente 

Joaquim Namorado

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Foram Breves e Medonhas as Noites de Amor



foram breves e medonhas as noites de amor
e regressar do âmago delas esfiapava-lhe o corpo
habitado ainda por flutuantes mãos

estava nu
sem água e sem luz que lhe mostrasse como era
ou como poderia construir a perfeição

os dias foram-se sumindo cor de chumbo
na procura incessante doutra amizade
que lhe prolongasse a vida

e uma vez acordou
caminhou lentamente por cima da idade
tão longe quanto pôde
onde era possível inventar outra infância
que não lhe ferisse o coração

Al Berto

quarta-feira, 25 de junho de 2014

No 39º aniversário da independência de Moçambique - Moçambicanto I -

Para o país que vi nascer e trago no coração, um só desejo, uma só palavra 
 - PAZ -



céleres as águas
zambezeiam pela memória
das almadias do silêncio

nem o zumbido da cigarra
me entontece

nem o troar do tambor
me ensurdece

as vozes que são
sulcos das nossas esperanças

oh pátria
moçambiquero-te
neste alumbramento
e amar-te
devo-o à carne e ao nervo
deglutidos em revolta.

Gulamo Khan


segunda-feira, 9 de junho de 2014

O Amor, Meu Amor


Nosso amor é impuro 
como impura é a luz e a água 
e tudo quanto nasce 
e vive além do tempo.
Minhas pernas são água, 
as tuas são luz 
e dão a volta ao universo 
quando se enlaçam 
até se tornarem deserto e escuro. 
E eu sofro de te abraçar 
depois de te abraçar para não sofrer.
E toco-te 
para deixares de ter corpo 
e o meu corpo nasce 
quando se extingue no teu.
E respiro em ti 
para me sufocar 
e espreito em tua claridade 
para me cegar, 
meu Sol vertido em Lua, 
minha noite alvorecida.
Tu me bebes 
e eu me converto na tua sede. 
Meus lábios mordem, 
meus dentes beijam, 
minha pele te veste 
e ficas ainda mais despida.
Pudesse eu ser tu 
E em tua saudade ser a minha própria espera.
Mas eu deito-me em teu leito 
Quando apenas queria dormir em ti.
E sonho-te 
Quando ansiava ser um sonho teu.
E levito, voo de semente, 
para em mim mesmo te plantar 
menos que flor: simples perfume, 
lembrança de pétala sem chão onde tombar.
Teus olhos inundando os meus 
e a minha vida, já sem leito, 
vai galgando margens 
até tudo ser mar. 
Esse mar que só há depois do mar.

Mia Couto

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