Palavras ditas ...

Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor... Acho que a poesia está contida nisso tudo."
Carlos Drumond de Andrade

terça-feira, 2 de julho de 2019

Palavras para a minha mãe


mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.

lê isto: mãe, amo-te.

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que
não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.

José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Lisboa



por tràs dos muros da cidade
no seu coração profundo de alicerces
de argilas e de sísmicos arroios - cresce uma voz
que sobe e fende a brandura das casas

da escrita dos enumeráveis povos quase
nada resta - deitas-te exausto na lâmina da lua
sem saberes que o tejo te corrói e te suprime
de todas as idades da europa

mais além - para os lados do corpo - permanece
a tosse dos cacilheiros os olhos revirados
dos mendigos - o tecto onde um navio
nos separa de um vácuo alimentado a soro

plátanos brancos recortam-se luminescentes no olhar
de quem nos olha contra um céu desesperado - jardim
de iris açucenas palmeiras cobertas de rocio e
a ponte que nos leva aos campos do sul - Lisboa

lugar derradeiro do riso
que já não te pode salvar do cemitério dos prazeres

e morres
carregado de tristezas e de mistérios - morres
algures
sentado numa praceta de bairro - o olhar fixo
no inferno marítimo das aves


al berto

domingo, 7 de abril de 2019

Encontro


Que vens contar-me
se não sei ouvir senão o silêncio?
Estou parado no mundo.
Só sei escutar de longe
antigamente ou lá para o futuro.
É bem certo que existo:
chegou-me a vez de escutar.
Que queres que te diga
se não sei nada e desaprendo?
A minha paz é ignorar.
Aprendo a não saber:
que a ciência aprenda comigo
já que não soube ensinar.
O meu alimento é o silêncio do mundo
que fica no alto das montanhas
e não desce à cidade
e sobe às nuvens que andam à procura de forma
antes de desaparecer.
Para que queres que te apareça
se me agrada não ter horas a toda a hora?
A preguiça do céu entrou comigo
e prescindo da realidade como ela prescinde de mim.
Para que me lastimas
se este é o meu auge?!
Eu tive a dita de me terem roubado tudo
menos a minha torre de marfim.
Jamais os invasores levaram consigo as nossas
torres de marfim.
Levaram-me o orgulho todo
deixaram-me a memória envenenada
e intacta a torre de marfim.
Só não sei que faça da porta da torre
que dá para donde vim.


José Sobral de Almada Negreiros (Trindade, São Tomé e Príncipe, 7 de Abril de 1893 — Lisboa, 15 de Junho de 1970)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019


«As recordações têm mais poesia do que as esperanças, tal como as ruínas são muito mais poéticas que o projecto de um edifício»

Jacinto Benavente, escritor espanhol que foi Prémio Nobel da Literatura em 1922



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