Palavras ditas ...

Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor... Acho que a poesia está contida nisso tudo."
Carlos Drumond de Andrade

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa.
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar....
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
......................................................
......................................................
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Mário de Sá-Carneiro

Imagem copiada daqui 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Lê , são estes os nomes das coisas que deixaste


Lê , são estes os nomes das coisas que
deixaste – eu, livros, o teu perfume
espalhado pelo quarto; sonhos pela
metade e dor em dobro, beijos por
todo o corpo como cortes profundos
que nunca vão sarar; e livros, saudade,
a chave de uma casa que nunca foi a
nossa, um roupão de flanela azul que
tenho vestido enquanto faço esta lista:
livros, risos que não consigo arrumar,
e raiva – um vaso de orquídeas que
amavas tanto sem eu saber porquê e
que talvez por isso não voltei a regar; e
livros, a cama desfeita por tantos dias,
uma carta sobre a tua almofada e tanto
desgosto, tanta solidão; e numa gaveta
dois bilhetes para um filme de amor que
não viste comigo, e mais livros, e também
uma camisa desbotada com que durmo
de noite para estar mais perto de ti; e, por
todo o lado, livros, tantos livros, tantas
palavras que nunca me disseste antes da
carta que escreveste nessa manhã, e eu,
eu que ainda acredito que vais voltar, que
voltas, mesmo que seja só pelos teus livros.

Maria do Rosário Pedreira

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