Palavras ditas ...

Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor... Acho que a poesia está contida nisso tudo."
Carlos Drumond de Andrade

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Experimentando a Morte


Liu Xiaobo , nasceu a 28 de Dezembro de 1955 em Changchun, China.
Intelectual e activista pelos direitos humanos e reformas na República Popular da China, cumpre, desde 2009, uma pena de onze anos por "tentativa de subversão do estado" ao emitir a "Carta 08".
É Prémio Nobel da Paz 2010.





Tinha imaginado estar ali, à luz do sol
com o cortejo dos mártires
um só osso esguio sustentando
uma convicção verdadeira
Todavia, o divino vazio não vai
revestir a ouro os sacrificados
Uma matilha de lobos bem nutridos
saciados de cadáveres
festeja no ar quente e jubiloso do meio-dia
Lugar distante
esse lugar sem sol
onde exilei a minha vida
para fugir à era de Cristo
Não consigo fitar a ofuscante visão na cruz
De um fio de fumo a um pequeno monte de cinzas
bebi até ao fim a bebida dos mártires, sinto a primavera
prestes a romper no rendilhado brilho de inúmeras flores
Noite dentro, estrada deserta
pedalo de regresso a casa
Paro num quiosque de tabaco
Um carro segue-me, atropela a bicicleta
Um par de brutamontes agarra-me
Algemado, olhos vendados, boca amordaçada
atirado para uma carrinha celular rumo a nenhures
Um piscar de olhos, trémulo instante
abre um clarão de lucidez: Ainda estou vivo
nas notícias da Televisão Central
o meu nome mudado para “mão negra detido”
ainda que esses anónimos ossos brancos dos mortos
se mantenham de pé no esquecimento
Ergo alto a mentira auto-inventada
Digo a todos como experimentei a morte
para que “mão negra” se torne a honrosa medalha de um herói
Sabendo embora que a morte
é um impenetrável mistério
estando vivo, não a posso experimentar
e uma vez morto
não posso repetir a experiência
pairo ainda assim dentro da morte
um pairar em afogamento
Noites sem conta atrás de janelas gradeadas
e as campas sob as estrelas
revelaram os meus pesadelos
À parte uma mentira
Não possuo nada

Liu Xiaobo

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Natal



Hoje é dia de Natal.
O jornal fala dos pobres
em letras grandes e pretas,
traz versos e historietas
e desenhos bonitinhos,
e traz retratos também
dos bodos, bodos e bodos,
em casa de gente bem.

Hoje é dia de Natal.
- Mas quando será de todos?

Sidónio Muralha

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Soneto de Natal




Um homem, – era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, -
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto… A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”

Machado de Assis

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Não sei como dizer-te que a minha voz te procura


Não sei como dizer-te que a minha voz te procura
 e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e casta.
Não sei o que dizer, especialmente quando os teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e tu estremeces como um pensamento chegado. Quando
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima,
– eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
o coração é uma semente inventada
em seu ascético escuro e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a minha casa ardesse pousada na noite.
– E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes caem no meio do tempo,
– não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.




Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço –
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra vai cair da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me falta
um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,

que te procuram.

Herberto Hélder

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A Minha Alma Partiu-se


Nos 77 anos da morte de Fernando Pessoa, um poema do seu alter-ego Álvaro de Campos

Álvaro de Campos

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.






quarta-feira, 28 de novembro de 2012

nenhum amor escapa impune
















deixa-me perguntar se te
pareço tão assustado assim. Não
me sinto deslocado, talvez curioso, mas
nem surpreso. algo em ti me puxa
sempre ao sentimento, mesmo antes de
te conhecer, lembras-te, uma propensão para
te tratar bem, cuidar, vulnerabilizar os meus
modos, recusar admitir que também eu sou
capaz de crueldades quotidianas e
impunes. queria conversar contigo
sobre o nelson, que foi ver as coisas a
arder fotografando a própria
pele. queria falar-te da isabel e de como
choramos juntos, muito maricas, quando
nos correm mal estes amores ou, pior, a
nossa amizade. esta noite sonhei contigo e
achei graça dizer-te que cheirava mal
na nossa cama. que me incomodou a luz a entrar
pela persiana por fechar. que ouvi com dor o
orgasmo da vizinha de baixo

queria que soubesses que também eu
poderia ter ardido para o nelson
fotografar. queria que soubesses que
também poderia parar de chorar pela
isabel. queria que soubesses que o faria
exclusivamente
para arruinar o meu coração, se fosse a
tua vontade e com isso te deixasse em
paz. faria qualquer coisa, ainda que
quisesse morrer a seguir, faria qualquer coisa que,
por um instante, te pusesse
a pensar em mim

valter hugo mãe

imagem copiada daqui

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Os Amigos

Os amigos amei 
despido de ternura 
fatigada; 
uns iam, outros vinham, 
a nenhum perguntava 
porque partia, 
porque ficava; 
era pouco o que tinha, 
pouco o que dava, 
mas também só queria 
partilhar 
a sede de alegria — 
por mais amarga. 

Eugénio de Andrade

imagem retirada da net do Blog de Tais Luso

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Povoamento

Salvador Dali
No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera

Ruy Belo

domingo, 25 de novembro de 2012

Pastelaria


Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola



Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Mário Cesariny

sábado, 24 de novembro de 2012

Não basta abrir a janela



Não basta abrir a janela 
Para ver os campos e o rio. 
Não é bastante não ser cego 
Para ver as árvores e as flores. 
É preciso também não ter filosofia nenhuma. 
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas. 
Há só cada um de nós, como uma cave. 
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; 
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, 
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Alberto Caeiro


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Naturalidade (Uma carta a Rui Knopfli)



Eu, meu caro Rui Knopfli, eu caso-me à agrura das micaias e das rosas, ao roxo das noites lentas e às luas do dois hemisférios. Do sul ao norte em espiral me move o coração em índico interior, a intensa lentidão dos sentidos adormecidos por essas aves estranhas que me povoam os sentidos de asas bem reais.
chamem-me europeia ou africana, que fazer senão calar? Meus versos livres, livres xingombelas, livres pomos, voam sem chão, neste chão que trago por dentro da casa móvel que atravessa o sonho. Muito por dentro de todas as paisagens acorda aí esse teu, este meu, quebranto dolente, luz que as tardes em brasa levantam na alma acordada em seu abrupto amanhecer. É provável e é certo ser este meu corpo entrançado de liana e liamba uma trepadeira de nuvens em que o arco íris morde a cauda de muitos céus em desvario, porque a alma sem sossego acasala seres bifrontes, monstros de um hermes apátrida.
que pátria a de um poeta senão uma língua bífida e em fogo, senão um veneno redentor de mamba, enroscada dor nesse corpo babel em chama anunciado?
há no entanto uma terra e uma pátria em que pouso devagar, me reconheço e desconheço, escriba acocorado enrubescendo a língua de amorosos sabores, de vibrados ritmos, é a tua pátria de versos ó Rui, a tua mafalala entumescida José, a tua sensual arquitectura a oriente, Eduardo, ó príncipe dos poetas, o teu rumo silencioso e manso Artur, a escultura maconde da tua voz magoada Noémia, teu rendilhar de pemba azul Glória, a monção elegíaca e trágica, dolorosa dos teus blues, Patraquim, teu mar ao norte em ilhas utópicas Virgílio, e em arca de noé, essa fábula grotesca de Grabato arrebatando os pontos cardeais num chão desgarrado a Filimones, mes em nós crescido até à palma primeira de todos os sons.
Acredita, a terra-mar que em nossas línguas caminha é naturalidade obscena, pátria dividia em crónicas da peste, nascimento incestuoso de múltiplas mães, em nós úbere o som da xipalapala. lancinado eco do fim das tardes, misterioso som, morro de muchém crescido da terra, desventrando asas em voluta, lento voo em sombra acesa, pátria minha, passaporte, naturalidade, só uma, a poesia.

Ana Mafalda Leite

Copiado do blogue À Sombra dos Palmares

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O Poeta Inventa Viagem...















Se for possível, manda-me dizer:
- É lua cheia. A casa está vazia -
Manda-me dizer, e o paraíso
Há de ficar mais perto, e mais recente
Me há de parecer teu rosto incerto
Manda-me buscar se tens o dia
Tão longo como a noite. Se é verdade
Que sem mim só vês monotonia.
E se te lembras do brilho das marés
De alguns peixes rosados
Numas águas
E dos meus pés molhados, manda-me dizer:
- É lua nova -

E revestida de luz te volto a ver.

Hilda Hilst

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Um outro poema de amor



No fundo, as relações entre mim e ti
cabem na palma da mão:
onde o teu corpo se esconde e
de onde,
quando sopro por entre os dedos,
foge como fumo
um pequeno pássaro,
ou um simples segredo
que guardávamos para a noite.

Nuno Júdice

domingo, 18 de novembro de 2012

Manuel António Pina


Manuel António Pina nasceu a 18 de Novembro de 1943 no Sabugal e faleceu no Porto no dia 19 de Outubro de 2012.

O Advogado, dramaturgo, jornalista, cronista, autor de livros para crianças, ensaísta e poeta, foi premiado várias vezes e em 2011 recebeu, por toda a sua obra,  o Prémio Camões.

Agora que os / olhos se fecharam / fico acordado toda a noite / diante de uma coisa imensa.



Real, real porque me abandonaste?
E, no entanto, às vezes bem preciso
de entregar nas tuas mãos o meu espírito
e que, por um momento, baste
que seja feita a tua vontade
para tudo de novo ter sentido,
não digo a vida, mas ao menos o vivido,
nomes e coisas, livre arbítrio, causalidade.
Oh, juntar os pedaços de todos os livros
e desimaginar o mundo, descriá-lo,
amarrado ao mastro mais altivo
do passado! Mas onde encontrar um passado?

Manuel António Pina

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Aprendamos, Amor




José de Sousa Saramago nasceu na aldeia Azinhaga, concelho da Golegã em 1922. 
Faria hoje 90 anos. 
Foi galardoado com o Prémio Camões em 1995 e o Nobel de Literatura em 1998. 



Aprendamos, amor, com estes montes 
Que, tão longe do mar, sabem o jeito 
De banhar no azul dos horizontes. 

Façamos o que é certo e de direito: 
Dos desejos ocultos outras fontes 
E desçamos ao mar do nosso leito. 

José Saramago

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Pensar alto

Um dos desenhos inéditos, eróticos e a  preto e branco
de Malangatana, em  exposição na galeria do pátio da Casa da Cerca - Almada em 2011

Sim
às marrabentas
às danças rituais
que nas madrugadas
criam o frenesi
quando os tambores e as flautas entram a fanfarrar

fanfarrando até o vermelho da madrugada fazer o solo sangrar
em contraste com o verdurar das canções dos pássaros
sobre o já verduzido manto das mangueiras
dos cajueiros prenhes
para em Dezembro seus rebentos
dançarem como mulheres sensualíssimas
em cada ramo do cajual da minha terra

mas, sim ao orgasmo
das mafurreiras
repletas de chiricos
das rolas ciosas pela simbiose que só a natureza sabe oferecer

mas sim
ao som estridente do kulunguana
das donzelas no zig-zague dos ritos
quando as gazelas tão belas
não suportam mais quarenta graus à sombra dos canhueiros em flor

enquanto as oleiras da aldeia, desta grande aldeia Moçambique
amassam o barro dos rios
para o pote feito ser o depositário
de todo o íntimo desse Povo que se não cala disputando
ecoosamente com os tambores do meu ontem antigo.

Malangatana Valente Ngwenya

Ida sem volta















Acordar na cidade logo da manhã
e esperar a noite com exactidão
no encontrar do último comboio
que parte conciso para outro dia
sair na estação que é central
de outra cidade já a anoitecer
onde talvez seja o lugar habitual
do vendedor ambulante das sortes
quase grandes
no caminho designadamente antecipado
pelo voo dos pássaros migradores
que agora mesmo se vão de partida
para outra cidade de amanhecer definitivo
e depois da viagem sempre conhecida
da porta em porta na cidade
adormecer ao aviso da madrugada
e esperar o sinal propício indicado
pelo caminho persistente dos peixes
a subir o rio exaustivamente nele
acordar na noite da noite na cidade
até chegar o momento muito matinal
de partir no primeiro comboio efectivo
da manhã de outra cidade a entardecer

Mário Henrique Leiria

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Arrufos


Não há no mundo quem amantes visse
que se quisessem como nos queremos...
Um dia, uma questiúncula tivemos
por um simples capricho, uma tolice.

«Acabemos com isto!», ela me disse
e eu respondi-lhe assim: «Pois acabemos!»
E fiz o que se faz em tais extremos:
tomei do meu chapéu com fanfarrice


Belmiro de Almeida 1887 - "Arrufos"
















e, tendo um gesto de desdém profundo,
saí cantarolando... (Está bem visto
que a forma, aí, contrafazia o fundo).

Escreveu-me... Voltei. Nem Deus, nem Cristo,
nem minha mãe, volvendo agora ao mundo,
eram capazes de acabar com isto!

Artur de Azevedo

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

E por falar em saudade

copiado daqui


E por falar em saudade onde anda você
Onde andam seus olhos que a gente não vê
Onde anda esse corpo
Que me deixou louco de tanto prazer
E por falar em beleza onde anda a canção
Que se ouvia na noite dos bares de então
Onde a gente ficava,onde a gente se amava
Em total solidão
Hoje eu saio da noite vazia
Numa boemia sem razão de ser
Na rotina dos bares,que apesar dos
pesares
Me trazem você




E por falar em paixão, em razão de viver
Você bem que podia me aparecer
Nesses mesmos lugares, na noite, nos bares
Onde anda você.

Vinícius de Moraes

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Não tenhas medo do amor ...


Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.

Maria do Rosário Pedreira

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Amo-te Por Todas as Razões e Mais Uma



Por todas as razões e mais uma. Esta é a resposta que costumo dar-te quando me perguntas por que razão te amo. Porque nunca existe apenas uma razão para amar alguém. Porque não pode haver nem há só uma razão para te amar.
Amo-te porque me fascinas e porque me libertas e porque fazes sentir-me bem. E porque me surpreendes e porque me sufocas e porque enches a minha alma de mar e o meu espírito de sol e o meu corpo de fadiga. E porque me confundes e porque me enfureces e porque me iluminas e porque me deslumbras.
Amo-te porque quero amar-te e porque tenho necessidade de te amar e porque amar-te é uma aventura. Amo-te porque sim mas também porque não e, quem sabe, porque talvez. E por todas as razões que sei e pelas que não sei e por aquelas que nunca virei a conhecer. E porque te conheço e porque me conheço. E porque te adivinho. Estas são todas as razões.
Mas há mais uma: porque não pode existir outra como tu.

Joaquim Pessoa

sábado, 20 de outubro de 2012






















Não posso adiar o amor para outro século 
não posso 
ainda que o grito sufoque na garganta 
ainda que o ódio estale e crepite e arda 
sob as montanhas cinzentas 
e montanhas cinzentas 

Não posso adiar este abraço 
que é uma arma de dois gumes amor e ódio 
Não posso adiar 
ainda que a noite pese séculos sobre as costas 
e a aurora indecisa demore 
não posso adiar para outro século a minha vida 
nem o meu amor 
nem o meu grito de libertação 

Não posso adiar o coração.

António Ramos Rosa, in "Viagem através duma nebulosa" (1960), e "Antologia Poética" (D.Quixote, 2001)


mas, poeta, quem não adia? não guarda o calor da esperança numa chama imensa, avassaladora, total, na concha duma mão que ora se crispa e cerra, ora se abre tacteante, os dedos ansiosos por serem tocados e vivificarem o tal fogo mágico? quem, poeta? quem não adia o momento que acredita valer uma vida, no renovar contínuo de ilusões? da ilusão, a maior, e - concordarás, tu, poeta - a mais bela: o Amor. oh, poeta, poeta... mascaramos esses adiamentos de decisões ou mesmo de arrebatamentos. esses sim são as ilusões. as fantasias, os placebos ao duro dia-a-dia. são os adiamentos. o Amor virá. vivemos para esse momento e os séculos não têm nada a ver com isso. o tempo não conta, sabes... quando sonhas, quando te escreves em poema, há relógio sombra ou sol que te marque o tempo? um tempo que só é válido para acreditar na tal aurora que nos renascerá? que nos salvará. não mintas, poeta. todos adiamos. mesmo quando mentimos: sabes que mentimos, não sabes? quando, no desespero das mãos frias, dos dedos torpes por ausências que os iluminem, acreditamos em mentiras que não precisam de séculos para nos serem devolvidas, esbofeteando-nos. (e dói. dói tanto.) quando os medos nos mentem e nos tornam falsos clarividentes adictos a compromissos, acreditando que o tal grito sufocar-se-á e o peso nas costas desaparecerá se sacrificarmos a liberdade de se ser pertença ao engano da conciliação, dos conscienciosos e frios cálculos acerca dum amanhã que ainda não nasceu pois vive-se é hoje, os dedos estendem-se no vazio é hoje, é hoje, e não há bafos de seguranças que os aqueçam entre sol e lua, toquem-nos como eles anseiam e merecem ser tocados: a poesia do amor. o amor, poeta. o amor. e, de bom grado, adiamos o presente quando se acredita no futuro. sempre é sempre, sabias? sabes sim: és poeta e a eternidade é a caligrafia do teu tempo. adeus, poeta, não te incomodo mais. eu adio-me na poesia. por exemplo na tua. eu adiei-me e detesto a minha (detesto-me), só sei gostar de poesia alheia enquanto o tempo não chega, não vem, e moro no frio desta linha seca que me cruza a palma da mão, a tal que (te) espera.

Publicada por Carlos Gil AQUI

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O Medo


O poeta nunca parte



Ninguém me roubará algumas coisas,
nem acerca de elas saberei transigir;
um pequeno morto morre eternamente
em qualquer sítio de tudo isto.

É a sua morte que eu vivo eternamente
quem quer que eu seja e ele seja.
As minhas palavras voltam eternamente a essa morte
como, imóvel, ao coração de um fruto.

Serei capaz
de não ter medo de nada,
nem de algumas palavras juntas?

Manuel António Pina


O poema foi copiado do blogue (Re)nascido

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Até aos poetas ...


Maria,

Os poetas, esses magníficos e preciosos loucos, estão inocentes. Afinal, encontram palavras que comovem espelhos e os fazem reflectir sonhos antigos e não a realidade pura e dura. Nos dois últimos anos, fizeram-me uma pergunta vezes sem conta – pode a crise enferrujar o amor? (Antes também, claro, o pesadelo do fim do mês já atormentava as noites de muita gente quando a Bolsa ainda parecia a árvore das patacas!). Não basta citar Neil Young e dizer que a ferrugem nunca dorme, querida, explico a pessoas assustadas e surpreendidas que “pão, amor e uma cabana” é frase de quem nunca fitou mãos calejadas ou revirou bolsos em busca de uma derradeira moeda.

O amor pode resistir a tudo, mas não indemne ou mesmo escarninho.  Se me pedisses frase popular que descreva as histórias ouvidas,  dar-te-ia o velho “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. As pessoas sofrem, aguentam, receiam e o amor não vive em neurónios à prova de angústia. De acordo, muitas vezes as agruras da vida juntam mais o casal. De acordo, uma relação que já exibia – ou escondia… - fissuras é mais frágil. Mas negar a influência do torno cruel que espreme o quotidiano das gentes sobre os afectos seria ingénuo.

A visão do amor como algo de etéreo, imune às rasteiras do mundo, pertence ao discurso de uma minoria social privilegiada. (E digo discurso porque a vejo também na prática tropeçar, a conta no banco nada pode contra determinadas catástrofes bem pouco naturais. Mas se o dinheiro não dá felicidade, pelo menos evita preocupações básicas…). Sim, a crise facilita que a ferrugem namore muitos amores. E as pessoas murmuram que dói. É verdade. De uma forma ou de outra, mais dia menos dia, com crise ou sem ela, acontece a todos.

Até aos poetas!

Julio Machado Vaz no seu blogue Murcon

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Esta manhã ...

Edvard Munch

















Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida - como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida
 
foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama
 
e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos;
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.
   
Maria do Rosário Pedreira

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Se este poema fosse

Se este poema fosse mais do que simples
Sonho de criança...
Se nada lhe faltasse para ser total realidade
Em vez de apenas esperança...
Se este poema fosse a imagem crua da verdade,
Eu nada mais pediria à vida
E passaria a cantar a beleza garrida
Das aves e das flores
E esqueceria os homens e as suas dores...
– se este poema fosse mais do que mero
sonho de criança.

Ai meu sonho...
Ai minha terra moçambicana erguida –
Com uma nova consciência, digna e amadurecida...
A minha terra cortada em sua extensão
Por todas essas realizações que a civilização
Inventa para tomar a vida humana mais feliz...
Luz e progresso para cada povoação perdida
No sertão imenso, escolas para crianças,
Para cada doente, e assistência da ciência consoladora,
Para cada braço de homem, uma lida
Honrada e compensadora,
Para cada dúvida uma explicação,
E para os homens, Paz e Fraternidade!

Ah, se este poema fosse realidade 
E não apenas esperança!
Ah, se o fosse o destino da nova humanidade
A cantar então a beleza das flores,
Das aves, do céu, de tudo que é futilidade – 
Porque a dor humana então não existiria,
Nem, a infelicidade, nem a insatisfação,
Na nova vida plena de harmonia!

Noémia de Souza

Retirado de Nothingandall


terça-feira, 18 de setembro de 2012

Anjos Mulheres



As mulheres voam 
como os anjos: 
Com as suas asas feitas 
de cristal de rocha da memória 

Disponíveis 
para voar 

soltas... 

Primeiro 
lentamente: uma por uma 

Depois, 
iguais aos passaros 

fundas... 

Nadando, 
juntas 

Secreta: a rasar o 
chão 

a rasar a fenda 
da lua 

no menstruo: 
por entre a fenda das pernas 

Às vezes é o aço 
que se prende 
na luz 

A dobrarmos o espaço? 

Bruxas: 
pomos asas em vassouras 
de vento 

E voamos 

Como as asas 
lhe cresciam nas coxas 

diziam dela: 
que era um anjo do mar 

Rondo alto, 
postas em nudez de ombros 
e pernas 

perseguindo, 

pelos espaços, 
lunares 
da menstruação 

e corpo desavindo 

Não somos violencia 
mas o voo 

quando nadamos 
de costas pelo vento 

até à foz do tempo 
no oceano denso 
da nossa própria voz 

Sabemos distinguir 
a dormir 
os anjos das rosas voadoras 

pelo tacto? 

Somos os anjos 
do destino 

com a alma 
pelo avesso 
do útero 

Voamos a lua 
menstruadas 

Os homens gritam: 
– são as bruxas 

As mulheres pensam: 
– são os anjos 

As crianças dizem: 
– são as fadas 

Fadas? 

filigrama cintilante 
de asas volteando 
no fundo da vagina 

Nadamos? 

De costas, 
no espaço deste século 

Mudar o rumo 
e as pernas mais ao 
fundo 

portas por trás 
dobradas pelos rins 

Abrindo o ar 
com o corpo num só golpe 

Soltas, 
viando 
até chegar ao fim 

Dizem-nos: 
que nos limitemos ao espaço 

Mas nós voamos 
também 
debaixo de água 

Nós somos os anjos 
deste tempo 

Astronautas, 
voando na memória 
nas galáxias do vento... 

Temos um pacto 
com aquilo que 
voa 

– as aves 
da poesia 

– os anjos 
do sexo 

– o orgasmo 
dos sonhos 

Não há nada 
que a nossa voz não abra 

Nós somos as bruxas da palavra 

Maria Teresa Horta



Maria Teresa Horta, distinguida com o Prémio D. Dinis pelo romance “As Luzes de Leonor”, disse hoje  que não aceita receber o prémio das mãos de Pedro Passos Coelho

“Na realidade eu não poderia, com coerência, ficar bem comigo mesma, receber um prémio literário que me honra tanto, cujo júri é formado por poetas, os meus pares mais próximos - pois sou sobretudo uma poetisa, e que me honra imenso -, ir receber esse prémio das mãos de uma pessoa que está empenhada em destruir o nosso país”, explicou Maria Teresa Horta à Lusa.

“Sempre fui uma mulher coerente; as minhas ideias e aquilo que eu faço têm uma coerência”, salientou a escritora que acrescentou: “Sou uma mulher de esquerda, sempre fui, sempre lutei pela liberdade e pelos direitos dos trabalhadores”.

sábado, 15 de setembro de 2012

Esta gente

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
















E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra no chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo

Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Long And Wasted Years

















It's been such a long long time
Since we loved each other and our hearts were true
One time, for one brief day, I was the man for you
Last night I heard you talkin in your sleep
Saying things you shouldn't say, oh baby
You just may have to go to jail someday
Is there a place we can go, is there anybody we can see?
Maybe,
It's the same for you as it is for me
I ain't seen my family in twenty years
That ain't easy to understand, they may be dead by now
I lost track of em after they lost their land
Shake it up baby, twist and shout
You know what it's all about
What are you doing out there in the sun anyway?
Don't you know, the sun can burn your brains right out
My enemy crashed into the dust

Stopped dead in his tracks and he lost his lust
He was run down hard and he broke apart
He died in shame, he had an iron heart
I wear dark glasses to cover my eyes
There are secrets in em that I can't disguise
Come back baby
If I hurt your feelings, I apologize
Two trains running side by side, forty miles wide
Down the eastern line
You don't have to go, I just came to you because you're a friend of mine
I think that when my back was turned,
The whole world behind me burned
It's been a while,
Since we walked down that long, long aisle
We cried on a cold and frosty morn,
We cried because our souls were torn
So much for tears
So much for these long and wasted years

Bob Dylan

Para ouvir o Album Tempest, seguir o link

domingo, 2 de setembro de 2012

Fumo


Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!


Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas…
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!


Os dias são Outonos: choram… choram…
Há crisântemos roxos que descoram…
Há murmúrios dolentes de segredos…




Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!…

Florbela Espanca

sábado, 1 de setembro de 2012

Fui sabendo de mim

Imagem retirada daqui

Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia

pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia

Mia Couto

Pequena elegia de Setembro

Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.
Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.

Eugénio de Andrade

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Recomeçar




Recomeça....
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças...


Miguel Torga

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Saliva

Salvador Dali















saliva
quimera da larva sussurrante
sedosa maravilha do vestido
serpente louca do varal que dá cheiro de gente à roupa lavada

nómada feita à mão pelo artesão do tempo
conjuga os anos que me faltam
e dá-me uma velhice rápida depois da infância de sempre

minha alma grande
ó minha alma grande que dás dente aos ursos

sinestesia da cor da raiva
mostra ao céu a tua cor para que ele raie de vermelho no reflexo de um vulcão

há um caminho por dentro das veias que só o sangue conhece
e que vai dar direitinho à verdade mais carinhosa

soluça agora o que tens andado a dizer de mim
que eu bebo-te as lágrimas até aos olhos

serei o que quiseres como a verdade que se esconde
e darei ao futuro a magia do teu pretérito imperfeito

marca-me a lacre os lábios para não violar a carta de amor que levo na língua para ti


João Negreiros

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Invocação ao amor

Egon Schiele
Pedir-te a sensação
a água
o travo

aquele odor antigo
de uma parede
branca

Pedir-te da vertigem
a certeza
que tens nos olhos quando
me desejas

Pedir-te
sobre a mão
a boca inchada
um rasto de saliva
na garganta

pedir-te que me dispas
e me deites
de borco e os meus seios
na tua cara

Pedir-te que me olhes e me aceites
me percorras
me invadas
me pressintas

Pedir-te que me peças
que te queira
no separar das horas
sobre a língua

Meu ciúme
meu perfil
minha fome

meu sossego
minha paz
minha aventura

Meu sabor
minha avidez
saciedade

minha noite
minha angústia
meu costume

Maria Teresa Horta

Sabedoria





















Desde que tudo me cansa,
Comecei eu a viver.
Comecei a viver sem esperança...
E venha a morte quando
Deus quiser.

Dantes, ou muito ou pouco,
Sempre esperara:
Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
Voava das estrelas à mais rara;
Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com tal se conformara.

Hoje, é que nada espero.
Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
Se quero, é só enquanto apenas quero;
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar...
E venha a morte quando Deus quiser.

Mas, com isto, que têm as estrelas?
Continuam brilhando, altas e belas.

José Régio

domingo, 19 de agosto de 2012

Ode à Poesia


Vou de comboio...

Vou
Mecanizado e duro como sou
Neste dia,
E mesmo assim tu vens, tu me visitas!
Tu ranges nestes ferros e palpitas
Dentro de mim, Poesia!

Vão homens a meu lado distraídos
Da sua condição de almas penadas;
Vão outros à janela, diluídos
Nas paisagens passadas...
E porque hei-de ter eu nos meus sentidos
As tuas formas brancas e aladas?

Claude Monet

Os campos, imprecisos, nos meus olhos,
Vão de braços abertos às montanhas;
O mar protesta contra não sei quê;
E eu, movido por ti, por tuas manhas,
A sonhar um painel que se não vê!

Porque me tocas? Porque me destinas
Este cilício vivo de cantar?
Porque hei-de eu padecer e ter matinas
Sem sequer acordar?





Porque há-de a tua voz chamar a estrela
Onde descansa e dorme a minha lira?
Que razão te dei eu
Para que a um gesto teu
A harmonia me fira?

Poeta sou e a ti me escravizei,
Incapaz de fugir ao meu destino.
Mas, se todo me dei,
Porque não há-de haver na tua lei
O lugar do menino
Que a fazer versos e a crescer fiquei?

Tanto me apetecia agora ser
Alguém que não cantasse nem sentisse!
Alguém que visse padecer,
E não visse...

Alguém que fosse pelo dia fora
Neutro como um rapaz
Que come e bebe a cada hora
Sem saber o que faz...

Alguém que não tivesse sentimentos,
Pressentimentos,
E coisas de escrever e de exprimir...
Alguém que se deitasse
No banco mais comprido que vagasse,
E pudesse dormir...

Mas eu sei que não posso.
Sei que sou todo vosso,
Ritmos, imagens, emoções!
Sei que serve quem ama,
E que eu jurei amor à minha dama,
À mágica senhora das paixões.

Musa bela, terrível e sagrada,
Imaculada Deusa do condão:
Aqui vou de longada;
Mas aqui estou, e aqui serás louvada,
Se aqui mesmo me obriga a tua mão!

Miguel Torga

sábado, 18 de agosto de 2012

No coração, talvez


Ben Tolman




No coração, talvez, ou diga antes:
Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração.

José Saramago

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Nevoeiro


copiada daqui














Quem poderá saber que estranha bruma
Brotou caladamente em minha volta
Pra que eu perdesse as horas uma a uma
Sem um gesto, sem gritos, sem revolta.

Quem poderá saber que estranhos laços
E que sabor de morte lento e amargo
Sugaram todo o sangue dos meus braços –
O sangue que era sede do mar largo.

Quem poderá saber em que respostas
Se quebrou o subir do meu pedido
Para que eu bebesse imagens decompostas
À luz dum pôr de sol enlouquecido.

Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Mick Jagger


Faz hoje 69 anos um dos maiores símbolos vivos do lema "sexo, drogas e rock'n'roll". Parece que já deixou as drogas ...

Parabéns Mick Jagger














Em destaque

orgasmo

fui ver o mar fez-se a mim fiz-me a ele as ondas desta vez tombaram de pé e espumaram de gozo  Bénèdicte Houart (no dia internacional do org...