Palavras ditas ...

Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor... Acho que a poesia está contida nisso tudo."
Carlos Drumond de Andrade

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Se este poema fosse

Se este poema fosse mais do que simples
Sonho de criança...
Se nada lhe faltasse para ser total realidade
Em vez de apenas esperança...
Se este poema fosse a imagem crua da verdade,
Eu nada mais pediria à vida
E passaria a cantar a beleza garrida
Das aves e das flores
E esqueceria os homens e as suas dores...
– se este poema fosse mais do que mero
sonho de criança.

Ai meu sonho...
Ai minha terra moçambicana erguida –
Com uma nova consciência, digna e amadurecida...
A minha terra cortada em sua extensão
Por todas essas realizações que a civilização
Inventa para tomar a vida humana mais feliz...
Luz e progresso para cada povoação perdida
No sertão imenso, escolas para crianças,
Para cada doente, e assistência da ciência consoladora,
Para cada braço de homem, uma lida
Honrada e compensadora,
Para cada dúvida uma explicação,
E para os homens, Paz e Fraternidade!

Ah, se este poema fosse realidade 
E não apenas esperança!
Ah, se o fosse o destino da nova humanidade
A cantar então a beleza das flores,
Das aves, do céu, de tudo que é futilidade – 
Porque a dor humana então não existiria,
Nem, a infelicidade, nem a insatisfação,
Na nova vida plena de harmonia!

Noémia de Souza

Retirado de Nothingandall


terça-feira, 18 de setembro de 2012

Anjos Mulheres



As mulheres voam 
como os anjos: 
Com as suas asas feitas 
de cristal de rocha da memória 

Disponíveis 
para voar 

soltas... 

Primeiro 
lentamente: uma por uma 

Depois, 
iguais aos passaros 

fundas... 

Nadando, 
juntas 

Secreta: a rasar o 
chão 

a rasar a fenda 
da lua 

no menstruo: 
por entre a fenda das pernas 

Às vezes é o aço 
que se prende 
na luz 

A dobrarmos o espaço? 

Bruxas: 
pomos asas em vassouras 
de vento 

E voamos 

Como as asas 
lhe cresciam nas coxas 

diziam dela: 
que era um anjo do mar 

Rondo alto, 
postas em nudez de ombros 
e pernas 

perseguindo, 

pelos espaços, 
lunares 
da menstruação 

e corpo desavindo 

Não somos violencia 
mas o voo 

quando nadamos 
de costas pelo vento 

até à foz do tempo 
no oceano denso 
da nossa própria voz 

Sabemos distinguir 
a dormir 
os anjos das rosas voadoras 

pelo tacto? 

Somos os anjos 
do destino 

com a alma 
pelo avesso 
do útero 

Voamos a lua 
menstruadas 

Os homens gritam: 
– são as bruxas 

As mulheres pensam: 
– são os anjos 

As crianças dizem: 
– são as fadas 

Fadas? 

filigrama cintilante 
de asas volteando 
no fundo da vagina 

Nadamos? 

De costas, 
no espaço deste século 

Mudar o rumo 
e as pernas mais ao 
fundo 

portas por trás 
dobradas pelos rins 

Abrindo o ar 
com o corpo num só golpe 

Soltas, 
viando 
até chegar ao fim 

Dizem-nos: 
que nos limitemos ao espaço 

Mas nós voamos 
também 
debaixo de água 

Nós somos os anjos 
deste tempo 

Astronautas, 
voando na memória 
nas galáxias do vento... 

Temos um pacto 
com aquilo que 
voa 

– as aves 
da poesia 

– os anjos 
do sexo 

– o orgasmo 
dos sonhos 

Não há nada 
que a nossa voz não abra 

Nós somos as bruxas da palavra 

Maria Teresa Horta



Maria Teresa Horta, distinguida com o Prémio D. Dinis pelo romance “As Luzes de Leonor”, disse hoje  que não aceita receber o prémio das mãos de Pedro Passos Coelho

“Na realidade eu não poderia, com coerência, ficar bem comigo mesma, receber um prémio literário que me honra tanto, cujo júri é formado por poetas, os meus pares mais próximos - pois sou sobretudo uma poetisa, e que me honra imenso -, ir receber esse prémio das mãos de uma pessoa que está empenhada em destruir o nosso país”, explicou Maria Teresa Horta à Lusa.

“Sempre fui uma mulher coerente; as minhas ideias e aquilo que eu faço têm uma coerência”, salientou a escritora que acrescentou: “Sou uma mulher de esquerda, sempre fui, sempre lutei pela liberdade e pelos direitos dos trabalhadores”.

sábado, 15 de setembro de 2012

Esta gente

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
















E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra no chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo

Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Long And Wasted Years

















It's been such a long long time
Since we loved each other and our hearts were true
One time, for one brief day, I was the man for you
Last night I heard you talkin in your sleep
Saying things you shouldn't say, oh baby
You just may have to go to jail someday
Is there a place we can go, is there anybody we can see?
Maybe,
It's the same for you as it is for me
I ain't seen my family in twenty years
That ain't easy to understand, they may be dead by now
I lost track of em after they lost their land
Shake it up baby, twist and shout
You know what it's all about
What are you doing out there in the sun anyway?
Don't you know, the sun can burn your brains right out
My enemy crashed into the dust

Stopped dead in his tracks and he lost his lust
He was run down hard and he broke apart
He died in shame, he had an iron heart
I wear dark glasses to cover my eyes
There are secrets in em that I can't disguise
Come back baby
If I hurt your feelings, I apologize
Two trains running side by side, forty miles wide
Down the eastern line
You don't have to go, I just came to you because you're a friend of mine
I think that when my back was turned,
The whole world behind me burned
It's been a while,
Since we walked down that long, long aisle
We cried on a cold and frosty morn,
We cried because our souls were torn
So much for tears
So much for these long and wasted years

Bob Dylan

Para ouvir o Album Tempest, seguir o link

domingo, 2 de setembro de 2012

Fumo


Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!


Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas…
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!


Os dias são Outonos: choram… choram…
Há crisântemos roxos que descoram…
Há murmúrios dolentes de segredos…




Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!…

Florbela Espanca

sábado, 1 de setembro de 2012

Fui sabendo de mim

Imagem retirada daqui

Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia

pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia

Mia Couto

Pequena elegia de Setembro

Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.
Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.

Eugénio de Andrade

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