Palavras ditas ...

Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor... Acho que a poesia está contida nisso tudo."
Carlos Drumond de Andrade

terça-feira, 25 de junho de 2013

Assume o amor como um ofício

Assume o amor como um ofício
onde tens que te esmerar,

repete-o até à perfeição,
repete-o quantas vezes for preciso
até dentro dele tudo durar
e ter sentido.

Deixa nele crescer o sol
até tarde,

deixa-o ser a asa da imaginação,
a casa da concórdia,

só nunca deixes que sobre
para não ser memória.

Eduardo White


Nos 38 anos de Moçambique independente,
 o por do sol na Baía de Maputo. 
Inesquecível. 


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quinta-feira, 20 de junho de 2013

Trilhos


Por vezes caminho tão só
pela delicada fímbria da sanidade
que apenas o arrojo e a fome de viver
me impedem de tombar.

Celeste Pereira

Do blogue Nothingandall




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quarta-feira, 19 de junho de 2013

A falta de um beijo




















Sinto a falta
do teu beijo,
nas bocas que se
procuram,
na avidez do desejo.
Daquele beijo
amado,
que tanto diz sobre ti,
beijo rápido, demorado,
que sinto entrar
em mim.
Do beijo
reinventado
que tudo faz esquecer,
que me leva a
querer a vida,
pelo qual quero
morrer.
Do teu beijo
apetecido
no desvario dos
sentidos,
que me conduz pela mão
por caminhos
já conhecidos.
Do beijo doce,
salgado,
que percorre todo
o meu ser,
desfazendo-se no meu
que em ti quer renascer.
Sinto a falta do teu beijo em mim.

António Barroso Cruz

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Minha pátria é a língua portuguesa


13 de Junho de 1888, nascimento de Fernando Pessoa, poeta, filósofo e escritor português. Um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e da Literatura Universal.




Bernardo Soares

Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie — nem sequer mental ou de sonho —, transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. Estremeço se dizem bem. Tal página de Fialho, tal página de Chateaubriand, fazem formigar toda a minha vida em todas as veias, fazem-me raivar tremulamente quieto de um prazer inatingível que estou tendo. Tal página, até, de Vieira, na sua fria perfeição de engenharia sintáctica, me faz tremer como um ramo ao vento, num delírio passivo de coisa movida. [...]

Não chóro por nada que a vida traga ou leve. Há porém paginas de prosa me teem feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noute em que, ainda creança, li pela primeira vez numa selecta, o passo celebre de Vieira sobre o Rei Salomão, "Fabricou Salomão um palacio..." E fui lendo, até ao fim, tremulo, confuso; depois rompi em lagrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquelle movimento hieratico da nossa clara lingua majestosa, aquelle exprimir das idéas nas palavras inevitaveis, correr de agua porque ha declive, aquelle assombro vocalico em que os sons são cores ideaes — tudo isso me toldou de instincto como uma grande emoção politica. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda chóro. Não é — não — a saudade da infancia, de que não tenho saudades: é a saudade da emoção d´aquelle momento, a magua de não poder já ler pela primeira vez aquella grande certeza symphonica.

Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m´a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.

28/01/2013

In Livro do Desassossego, fr. 259 (Texto publicado originalmente em "Descobrimento", revista de Cultura n.º 3, 1931, pp. 409-410, transcrito do "Livro do Desassossego", por Bernardo Soares (heterónimo de Fernando Pessoa), numa recolha de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha; ed. de Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Ática, 1982 vol. I, p. 16-17. Respeitou-se a ortografia da época de Fernando Pessoa.



Sobre o Autor:

Bernardo Soares, um dos heterónimos de Fernando Pessoa (1888-1935), poeta português, nascido em Lisboa, considerado a maior figura literária do século XX, teve grande influência no chamado movimento futurista ou modernista. Colaborou em prosa e verso em várias publicações e dirigiu as revistas "Orfeu" e "Atena". Autor de Mensagem, usou ainda heterónimos para várias obras suas: Poesias (Álvaro de Campos), Poemas (Alberto Caeiro) e Odes (Ricardo Reis).

Textos de Autores Lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas copiado aqui

terça-feira, 4 de junho de 2013

Uma mulher quase nova



Uma mulher quase nova
com um vestido quase branco
numa tarde quase clara
com os olhos quase secos

vem e quase estende os dedos
ao sonho quase possível
quase fresca se liberta
do desespero quase morto

quase harmónica corrida
enche o espaço quase alegre
de cabelos quase soltos
transparente quase solta

o riso quase bastante
quase músculo florido
deste instante quase novo
quase vivo quase agora

Mário Dionísio


segunda-feira, 3 de junho de 2013

Papoilas




















estou opiada de ti
e percorres-me os nervos todos
com papoilas borboletas vermelhas

o meu corpo entrança-se de sonhos
e sente-se caminhando por dentro

aspiro-te
como se me faltasse o ar
e os perfumes dançam-me

qualquer coisa como uma droga bem forte
corpo e alma
rezam pequenas orações
gestos ritmados ao abraçar-te como que abraça
sonhos

coisa estranha

opiada me preciso ou apenas vestida de papoilas e
muito sol com luas por dentro

para poder mastigar estes sonhos
reais como mandrágoras

Ana Mafalda Leite

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