Palavras ditas ...

Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor... Acho que a poesia está contida nisso tudo."
Carlos Drumond de Andrade

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Voar

cruzaremos as praças de Viena
como corremos nas areias das praias:
velozes, sedentos, famintos dos tempos antes dos nadas.
e em Dingle o olhar parará, fixo no mar e no verde irlandês
de gaélicas folhas molhadas em saudades.
tal como Veneza. tal como o Egipto,
as míticas ameijoas nas Caraíbas e o sorriso dum beijo
trocado num parque de estacionamento
onde estacionamos o tempo e iniciamos o viajar.

a regra é única, fácil,
e rejubila de alegria o gordinho:
viver cada pedaço de noite anestesiante
entediante, triste,
com a cancela aberta, lá.
onde Dingle, Kiribati, Viena
Veneza e tudo se vizinham,
mesmo que nesse condomínio Toutatis
não administre as zonas comuns e tudo pareça tão distante
como uma casa de sonho na Lua.

(predisse uma cigana que nunca vi.
mas que se a consultássemos
e nos olhasse os traços manos diria:
corram! corram! existe Kiribati!)

cruzaremos os tempos que faltam
na correria de encontrar e ver
os tesouros que há no mundo.
e, num parque de estacionamento,
um jardim com um moinho,
um café com janelas em tulipas e recheio de maçãs
tudo entrevimos.

e fugimos das terras miúdas
as noites terríveis, a chuva
a dor de não-viver vivendo
a mentira que não se sonhou.
e tudo, tudo isto, será de mãos-dadas
que o correr só tem graça
os fumos enlaçados neste cigarro
que queima, arde, e num sopro fez uma nuvem
igual à de quando acreditávamos
que o mundo, em todo o mundo havia Kiribatis.

ah a racionalidade, ah as noites tristes...
ah a Lua tão distante e esta gravidade imensa
que tolhe os dias e alonga a ruga
e chove, chove sempre...
Toutatis é mau, não olha e vê qu'a cancela aberta
(tal como predisse uma cigana)
é ponto de partida e meta
é o estado natural dela.
igual a Dingle e Gallway
Salzburg, Viena, o Egipto e o chocolate veneziano.
esta correria ganha no instante que nos cruzamos
e lemos as vidas, nuvens gémeas.
falta um raio, um chispe, tiro de partida, iluminação.
falta correr e cruzarmos a vida igual à que sonhamos,
gigante, este cigarro ardido, a mão que se enlaça
fazê-la areal ou calçada
nacos concretos de dias, regresso ao bonito viver.

tudo existe - a cigana predisse
quando nos olhou as mãos e a cancela,
elas dadas, ela aberta
e os gordinhos iguais, encolhidos,
ansiosos dum vizinho
que olhe e veja, conheça as nuvens
e a aurora do seu nascer.

velozes, sedentos, famintos
dos tempos antes dos nadas.
mas Kiribati ainda existe aos que acreditam
na magia das Mãos Dadas.

Toutatis? não tem mais que sorrir!...

Carlos Gil

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